Brexit: Saída do Reino Unido da UE valeu a pena?

Alexandre Rinaldi e Bruno Kazuhiro

Em 2016, atendendo a uma onda de ceticismo com relação aos benefícios de se fazer parte da União Europeia, o governo britânico liderado pelo conservador David Cameron convocou um referendo sobre a permanência ou não do Reino Unido na comunidade europeia, o chamado Brexit. Se tratava de uma das nações protagonistas do processo de integração geográfica, logística, econômica, monetária e até mesmo fiscal da Europa considerando seriamente deixar a União e seguir caminho sozinha.

Em meio às críticas sobre a burocracia excessiva da União Europeia, a lentidão de suas decisões e uma certa desconsideração das demandas de grupos de interesse local relevantes, que se viam prejudicados por efeitos colaterais da integração, o sentimento anti-UE foi plantado, regado e floresceu na sociedade, alimentado também pelas redes sociais e pelo populismo que apresentava a saída do bloco como a solução de todos os males. Os que advogavam pela saída da União Europeia, como o posteriormente primeiro-ministro Boris Jonhson, tinham três pilares em defesa damedida: maior controle de fronteiras (segurança e controle da imigração ilegal), independência em assuntos estratégicos e prosperidade econômica com o maior controle de sua politica regulatória interna e comércio. Spoiler: parece que tudo aconteceu exatamente ao contrário, conforme veremos.

Uma vitória apertada do Brexit (um apelido dado ao processo britânico de saída, exit em inglês) por 52% a 48% surpreendeu a classe política e os formadores de opinião, que não estavam preparados. Tanto é que o resultado culminou na renúncia de Cameron e os primeiro-ministros seguintes têm lutado, desde então, para oficializar de alguma forma o que o Brexit realmente significa. 

A globalização e a integração econômica com os vizinhos eram irreversíveis. Os fluxos de mercadorias e de pessoas eram os mais intensos da história. Como seria regredir? Na última década os governantes e o mercado britânicos foram tentando responder a este desígnio popular e a pergunta que fica, já quase dez anos depois da decisão é: Qual foi o resultado do Brexit até aqui? O nacionalismo, o populismo e o isolamento deram certo?

As lições do liberalismo econômico diriam que não. Mas nesse caso estamos no âmbito teórico. Mais importante é saber na prática, se o ceticismo contra a integração europeia e a crença de que as soluções viriam do Brexit, de não ter mais que contribuir com os vizinhos e de poder fazer acordos econômicos por conta própria deram o resultado esperado.

Vejamos. Atualmente, pesquisa da YouGov afirma que 57% dos britânicos acreditam que foi um erro sair da UE. 32% acham que foi um acerto. E uma maioria estreita de 51% afirmam que votariam a favor de um referendo para retornar à União Europeia. Por que será?

A economia britânica vai mal. O custo de vida subiu bastante. Os investimentos estrangeiros no país diminuíram. A produtividade é 12,4% menor por conta do Brexit. O comércio é 15% menor. Em resumo, as promessas feitas pelos defensores do Brexit não foram cumpridas. Eles se esqueceram de que o Reino Unido, além de comprar, também vendia. Que as manufaturas de alto valor agregado da ilha dependem de matérias-primas da Europa continental. Que a competição com produtores europeus melhoraria a eficiência dos britânicos. E que com ambiente regulatório e bancário diferenciado, seria mais difícil para estrangeiros colocarem seu dinheiro em projetos locais. Isto foi aprofundado após a posse do presidente americano Donald Trump e a maior onda protecionista da história recente americana. Um dos países com quem o Reino Unido mais gostaria de aumentar laços, por fora das amarras europeias, está se fechando comercialmente. A realidade é que a decisão política de sair da União Europeia foi tomada por estreita maioria da população em um momento de frustração, sem ter sido devidamente informada, com oportunistas aproveitando o momento para crescer eleitoralmente. Não foi baseada em dados e evidências ou em números. Como, sejamos francos, nunca são em eleições. 

Os dados que mais assustam são os de que a economia britânica cresceu 4% a menos por conta do Brexit desde a decisão, o que representa perda de 100 bilhões de libras em valores de hoje, algo equivalente a 745 bilhões de reais, quase 1 trilhão. É dinheiro perdido que não acaba mais, que se soma a cerca de 1,8 milhões de empregos não gerados.

A lembrança dos conflitos na Irlanda do Norte, um dos maiores traumas nacionais da segunda metade do século XX, que foram definitivamente enterrados nos acordos de 1998, com a ajuda da integração do país à UE e consequente diminuição de barreiras com a Republica da Irlanda, também não pesaram na decisão da maior parte da população. Igualmente, como na maioria das eleições, a memória do eleitor foi curta.Ao mesmo tempo, as divisões da Inglaterra com a Escócia também se agravaram, visto que a última votou majoritariamente para ficar na UE e se viu forçada a sair pelos votos dos ingleses.

Na política exterior, um Reino Unido que se colocava como ponte natural entre os EUA e a UE, agora perde prestígio e influência global, ficando de lado em algumas decisões. Os problemas geopolíticos foram ainda exacerbados após a segunda invasão russa na Ucrânia em fevereiro de 2022, quando ficou claro que a Europa, até então vivendo uma era de tranquilidade desde a Segunda Guerra, hoje constata uma quase leniência no que tange à defesa de sua integridade territorial. Ou seja, a invasão reacendeu o espirito de necessidade de uma integração econômica, politica e militar, enquanto o Reino Unido se viu forçadamente na contramão.

Além disso, a imigração ilegal, talvez o tema que mais mexeu com sentimentos do britânico médio a favor do Brexit na época, como também aconteceu na última eleição nos EUA, é o exemplo negativo mais gritante. Na época do referendo a imigração líquida (chegadas menos saídas) somava 250 mil pessoas, número administrável em uma nação de 70 milhões de habitantes. Já em 2023/2024, tal número triplicou para 750 mil pessoas. O que foi vendido como aumento da segurança e controle migratório não funcionou e também dificultou a imigração de britânicos que desejem se mudar para a Europa continental.

No final das contas, há uma solução que já vinha sendo tentada pelos conservadores (centro-direita) e agora, também é tentada pelos trabalhistas (centro-esquerda): acordos com a UE em diversos temas que minimizem o impacto da ruptura. Quem diria. 

Mas nesse mundo caótico e um tanto sem sentido em que vivemos, enquanto o Brexit gera grandes efeitos negativos, aqueles que mais defenderam a saída da UE, a direita mais radical que na época se apresentava como independentista (UKIP) e hoje formou novo partido que se declara reformista (Reform UK), lidera as pesquisas para o Parlamento britânico. Vão dobrar a aposta no nacionalismo e dizem que o Brexit só não deu certo até agora por ter sido feito da “forma errada” por conservadores e trabalhistas. Com eles, seria feito, segundo os próprios, da maneira correta, que não se sabe bem qual é.